quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O taxista que deixa livros

Quando desci, o taxista já estava a minha espera. Toda atrapalhada, atravessei a rua com mala, mochila e bolsa. Gentilmente ele desceu do carro para me ajudar. Ao abrir o porta-malas, fiquei surpresa: estava cheio de livros espalhados.

"Nossa, parece o meu carro, cheio de livros.", comentei.

Ele riu e respondeu: "É, é para um projeto".

Ao entrar no carro o taxista contou que achou na internet vários projetos, em São Paulo e outros lugares do mundo, nos quais as pessoas deixavam livros pelas cidades: metrôs, paradas de ônibus, bancos de praça. E que, ao ver tantos livros em casa e pouco espaço para guardá-los, ele resolveu deixar os dele por aí também.

Meu rosto se iluminou! Fiquei louca para interrompê-lo, perguntar se ele conhecia nosso blog e o que ele achava, mas resolvi escutar.

Quando senti uma brecha na fala dele, comentei primeiro sobre o T-Bone, açougue cultural que coloca livros em paradas de ônibus de Brasília.  Achei que se eu chegasse falando do nosso projeto, ele se assustaria ou pensaria que eu estava inventando só para puxar assunto.  Ele achou a iniciativa muito legal e disse que gostaria muito de vir à cidade para conhecer.

Foi aí que Seu Oswaldo* contou que não gostava muito de ler. Até que um dia, quando trabalhava na construção civil e foi enviado para uma obra em Campos do Jordão, encontrou páginas de um livro de autoajuda. Resolveu ler essas páginas sem compromisso. Quando voltou à São Paulo, procurou o livro completo para ler o resto. Não parou mais. Leu vários e vários livros desse gênero.

"Dizem que livro de autoajuda só ajuda o autor, né?! Mas eu gostava muito. Na época fazia muito sentido para mim. Hoje não leio mais isso, perdeu a graça, mas passei a me interessar por outros livros."

Pela variedade de títulos que vi atrás dos bancos do taxi, Seu Oswaldo é do tipo que não tem preconceitos ao ler. Clarice Lispector, Augusto Cury e livros sobre teorias econômicas foram alguns que eu consegui identificar.

Não me aguentei e falei para ele sobre o blog. Ele adorou a ideia e disse que acredita, realmente, que um livro pode mudar a vida de alguém. Contou de um mendigo em São Paulo que, um dia, encontrou um livro e se apaixonou. Como não tinha condições de comprar mais alguns e nem o deixavam entrar em bibliotecas, saiu pela cidade procurando alguém que lhe doasse livros. Resultado, criou uma "bibiteca", uma biblioteca em cima de uma bicicleta, que levava livros a moradores de rua. O mendigo, hoje, faz palestras em vários lugares do mundo sobre seu projeto.
Seu Oswaldo fez eu me lembrar do porquê entrei nesse projeto com a Jeanne e as meninas. Pode ser que a gente não mude a vida de ninguém, mas tenho certeza de que, pelo menos, faremos algumas pessoas terem um dia mais especial.


*Nome fictício, eu realmente me esqueci qual o nome dele (graças a minha memória de peixe dourado).

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Um livro deixado bem rapidinho

Como há um tempo eu não deixava livros, levei dois comigo para a viagem a São Paulo e Campos do Jordão. Mas, apesar das surpresas, o feriado foi quase todo de chuva. Fiquei com medo de deixar meus livros e eles estragarem antes que alguém encontrasse.

Hoje, no aeroporto, bateu um peso na consciência de voltar com aqueles dois na bolsa e acabei deixando um. Foi em um restaurante no segundo antes de Congonhas, não me lembro o nome. Passei quase duas horas lendo ali e pensei: talvez alguém também precise de algo para ler e passar o tempo.

Como o restaurante estava cheio, deixei ali, na cadeira, para que a próxima pessoa que a puxassse e sentasse pudesse ter uma supresa.

domingo, 14 de outubro de 2012

Viagem ao Sítio do Pica Pau Amarelo

Quando vi a placa, achei que fosse alguma brincadeira. A caminho de Campos do Jordão, ainda no município de Monteiro Lobato, ela indicava: Sítio do Pica Pau Amarelo - 8 km. Como chovia muito, nem animamos desviar o caminho. Mas corri para o Google para pesquisar.

Descobri que o nome da cidade não é apenas uma homenagem ao grande escritor, mas sim ao seu filho pródigo. Sim, foi ali naquela cidade, no hoje chamado Sitio do Pica Pau Amarelo (antes chamava "São José do Buquira"), que Lobato nasceu e viveu seus primeiros anos de vida. Foi para ali, também, que mudou-se com sua mulher e seus filhos após a morte de seu pai e onde escreveu grandes obras como “A Velha Praga”, “Urupês” e “Sítio do Pica Pau Amarelo”. O Sítio ainda serviu de laboratório para os atores da primeira adaptação da obra de Lobato para a TV.

SP 050 - Rodovia Monteiro Lobato

Pronto, foi o suficiente para despertar minha curiosidade. Combinamos, eu e o namorado, de passarmos na volta do feriado para conhecer.

Saímos de Campos do Jordão mais tarde que o previsto e chegamos a achar que a estrada estaria cheia e teríamos que pegar outro caminho, desistindo do Sítio. Mas, felizmente, o caminho estava tranquilo. A Rodovia Monteiro Lobato (SP 050) é uma delícia. Apesar de ser muito sinuosa, o visual vale a pena. Muitas árvores, a paisagem da serra e várias alamedas no meio do caminho compõe o cenário.


Chegando ao município, seguimos a placa que vi na ida. O "Sítio do Pica Pau Amarelo" fica a 8km do centro da cidade Monteiro Lobato na, olha só, Estrada do Livro!


O sítio


Entrada e saída do Sítio.
A propriedade é particular, pertence a educadora aposentada Maria Lucia Ribeiro Guimarães, que herdou o Sítio de seu avô (que, por sua vez, comprou de um comerciante que adquiriu as terras de Lobato), e abre a visitação todos os dias, das 9h às 17h. Dona Maria Lucia é uma senhora simpaticíssima e apaixonada pelos livros, pela educação e pelas pessoas. Sabendo do patrimônio cultural que tem em mãos, ela não só abre a propriedade ao público, como recebe os visitantes e promove eventos culturais no Sítio. O que mais me impressionou é que ela e a família usam a casa normalmente. Quando chegamos lá, eles estavam terminando de colocar o almoço da família na mesa, passamos pela cozinha, cumprimentamos a todos que foram muito educados e receptivos.


Reino das águas claras


O Sítio é deslumbrante. Apesar do espaço interno (móveis e decoração) não serem originais, o casarão e grande parte da área externa são. Possui 18 cômodos, janelas enormes, e um cheiro de fazenda, paz e calmaria aconchegantes. Os donos possuem uma porção de cachorros, patos, gado, galinhas, cavalo. Depois de olhar e se deslumbrar com a casa, o guia nos indicou o caminho de uma pequena cachoeira, no fundo da propriedade. Era nada mais, nada menos do que o Reino das Águas Claras, o riacho de águas cristalinas onde nadam “peixinhos de olhos arregalados”, como descreve Lobato em sua obra.


Fachada do Sítio
A experiência é emocionante. Mas o melhor é o carisma e a simpatia de Dona Maria Lucia e o guia Cláudio. O amor que ambos sentem pela história do local e pelo autor, o conhecimento que eles tem sobre a obra de Lobato e seus diversos desdobramentos, dá vontade de sentar ali, naqueles jardins enormes, e voltar a ler as aventuras de Narizinho, Pedrinho, Visconde de Sabugosa, Boneca Emilia, Dona Benta, Tia Nastácia e todos os outros personagens. Resultado: saímos de lá encantados e com uma caixa com 6 livros de Lobato (obras para adultos) e um livro de um autor local contando a história do Sítio e do município.

A viagem toda foi uma delícia, mas para nós dois o Sítio foi o ponto alto. Recomendo. É uma experiência encantadora!


Outro Sítio do Pica Pau Amarelo

Tudo o que contei aqui, foi o que aprendemos no Sítio. Fui dar uma pesquisada e descobri que existe um outro Sítio do Pica Pau Amarelo em Taubaté, a antiga fazenda do Visconde de Tremembé.

Há uma grande polêmica sobre o local de nascimento de Monteiro Lobato. Não existe nenhum registro sobre onde ele nasceu realmente. Segundo consta, o Visconde não era casado com a avô do escritor, Dona Anacleta Augusta do Amor Divino. Sua esposa era a viscondessa Maria Belmira de França. Sendo assim, alguns afirmam que Lobato foi criado no sítio de Buquira (nome antigo do município Monteiro Lobato) com a avó e as irmãs, outros afirmam que ele foi criado junto com o avô.

Tia Nastácia.
Mas, de fato, o autor morou entre 1911 e 1917 no sítio que hoje é de Dona Maria Lúcia. Foi lá que ele criou personagens como Jeca Tatu e todas as histórias do Sítio do Pica Pau Amarelo. E foi ali que Monteiro Lobato se consagrou como um grande escritor da literatura brasileira, após escrever alguns artigos para O Estado de São Paulo denunciando o abandono da região.

Sem dúvidas, Lobato baseou seus personagens e histórias em tudo que viveu nas duas propriedades citadas do avô, além de várias outras, já que este era um fazendeiro abastado e o escritor passava férias em diversas dessas fazendas e sítios. Dona Benta era, provavelmente sua, avó Anacleta. Narizinho e Emília foram baseadas em suas irmãs e Pedrinho era a criança que o escritor gostaria de ter sido. Tia Nastácia era a mucama de Lobato e de sua esposa, Purezinha. Foi a única personagem de suas histórias que o autor manteve com o nome e descrição reais. Apesar de toda ausência de uma figura paterna em suas histórias, o autor criou também o Visconde de Sabugosa, um homem sábio e amante dos livros, provavelmente seu avô, o Visconde de Tremembé.



Mais fotos

Vista da janela da sala do Sítio.

 
Vista da frente do Sítio.



Referências das fotos: 
 Todas as fotos antigas foram retiradas do livro "Monteiro Lobato - cidade e escritor", de André Barreto.
A foto colorida da fachada foi retirada do site http:/monteirolobato.sp.gov.br/
Todas as outras fotos são minhas.

Referências Bibliográficas
 BARRETO, André. Monteiro Lobato - cidade e escritor. JAC Editora. 
Contato do autor: andrebarrt@gmail.com. Contato da editora: (12) 3928-1555 ou vendas@jaceditora.com.br

 Sites:
http:/monteirolobato.sp.gov.br/ 
http://www.museumonteirolobato.com.br/
O Estado de São Paulo

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Livros, metrô e Nova York: The Underground New York Public Library

“How Should a Person Be?” by Sheila Heti 


"Uma grande biblioteca visual". Esse é um dos conceitos do projeto "The Underground New York Public Library". Desde 2008, a fotógrafa marroquina (e contadora de histórias) Ourit Ben-Haim, diariamente clica momentos de leitura de passageiros nos metrôs de Nova York. Depois, ela publica a fotografia e o título do livro em seu blog. 

Você julga uma pessoa pelo livro que ela está lendo? Devo confessar que sempre que ando de metrô, fico observando o que as pessoas estão lendo. Já vi muita coisa: livros de autoajuda, nerds, guerra, poesia, culinária e até bíblia no iPhone. Quando me dou conta, lá estou divagando e me perco em pensamentos, imaginando o que fez a pessoa escolher tal livro, como ela é e pelo que está passando. Também já reparei certa curiosidade de outros passageiros quando estou lendo algo (alguns exageram, inclusive). Todas essas questões e a relação dos "leitores subterrâneos" sempre me chamou a atenção. Não é por um acaso que o metrô sempre foi meu lugar favorito para "esquecer" os livros. Acho que a nossa amiga Ourit (fiquei íntima, clica aqui para ver o perfil dela no Facebook. Ok, stalker alert!), também compartilha desse pensamento. Imortalizar tais momentos e universos por meio da fotografia, faz desse projeto algo genial e muito especial.  


"Blueberries for Sal," by Robert McCloskey


Para que fique mais organizado, o blog é dividido por categorias: Friday EReader, em que ela publica fotos de pessoas  lendo em seus tablets na sexta-feira; Sunday Morning Bible, são clicadas pessoas lendo bíblias nos domingos;  Tuesday Translation é a terça-feira da tradução -  os leitores do blog podem ajudar a traduzir o título de alguns livros.

Ourit escreve que sempre tenta anotar o nome do livro, seja fotografando ou até perguntando para a própria pessoa. Quando  não consegue, ela pede ajuda no blog (tem uma categoria lá pra isso também). 

"The Underground New York Public Library" é uma daquelas coisas que a gente para, põe a mão na cabeça e fala: "Como não pensei nisso antes?" Uma ideia simples e fantástica. E no final das contas, é muito mais do que um projeto sobre livros, é um projeto sobre gente.

Para conferir, clique aqui

domingo, 7 de outubro de 2012

Toda saudade do mundo


"Amor, sabes que te amo demais. Tive muitas mulheres antes de ti, mas nenhuma foi a 'minha mulher'. Por isso não era fiel às outras. Tu foste a melhor coisa que a vida me deu e a minha alegria reside em ti. Não sei como suportarei te esperar. Anseio pela hora de te ver e te ter ao meu lado (...)"


 Carta que Jorge Amado escreveu do exílio, em Paris, à sua mulher, Zélia Gattai. Em 25 de fevereiro de 1948. Disponível no livro TODA SAUDADE DO MUNDO, organizado pelo filho deles, João Jorge Amado.